Reticências


Há um lugar onde caminho é (des)caminho.
Há um tempo em que é preciso se desfazer das velhas esperanças.
Às vezes palavras precisam buscar silêncio,
Fazer deve ser desfazer,
E há de se desaprender de tudo, inclusive.
Não há novas texturas, líquidos ou rostos.
Apagar deve ser acender, ascender!
Transgredir deve ser estancar,

Silenciar. 

Pequeno Conto da Irmã Urso



Conta a lenda que havia um Sábio, que numa manhã de Sábado pediu que a moça narrasse a vida como a imagem vista do trem para o cego que senta ao seu lado durante a viagem (ou mais ou menos assim).

Pois bem,

Até para ela a imagem é um tanto turva. Não consegue enxergar muito bem o que vê, talvez porque o trem corre com muita velocidade nos trilhos da vida. Passou rápido tudo, muito rápido. E ontem, ainda menina, tirava cochilos à tarde depois de voltar da escola. E aquela negra, de longos cabelos cacheados, que parecia a sua Ama de leite estava sempre lá. Com afagos, assegurando que a ausência da mãe não doesse tanto.
O tempo passou, a Ama se foi e a tal ausência nunca foi preenchida. A mãe nunca estivera ali de fato. Então cresceu uma pessoa deformada pela ausência dos pais. A carência lhe tomou a vida, ganhou corpo, forma e devora lentamente.

Violentamente se entrega as oportunidades de sorrir, não calcula, não mede esforços – quer agradar. Mas foi talhada por outra espécie de humanos, se é que são humanos, talvez sejam marcianos. Talvez não consiga mesmo se encaixar neste mundo voraz, imediato, oco. Não entende as regras do jogo, não sabe jogar.

Deseja ser um pouco melhor a cada dia. Senta, ora, medita, reza, vive cercada do seu misticismo. Às vezes ajuda outras não. Na maioria das vezes vive questionando o porquê das coisas – é muito questionadora, ainda não descobriu a hora de parar de perguntar.

Acorda sorrindo, manhosa, cheia do carinho que guarda para compartilhar. "Tem a cara lavada, a alma exposta." Sorri com os olhos.

No fundo o que a moça quer é que a paisagem lhe pareça menos turva e que além da neblina possa existir o sol. E que lá, existam ainda as cervejas, os amigos, as raposas e as uvas, e o abraço daquele que estava esperando enquanto tudo parecia quase apagado. 

Copyright @ *Jai Guru Deva... Om... | Floral Day theme designed by SimplyWP | Bloggerized by GirlyBlogger