A ilha


Achava que estava cercada de amor e que seria suficiente para suportar as dores e preencher as lacunas deixadas pelas marcas da vida.
Não estaria de todo errada se as relações não fossem efêmeras, que se dissipam com o vento, na agilidade dos dias, no correr das horas.
Havia amor ali, achava, havia pureza, verdade. Sentia como se as ruínas deixadas de fora da casa não tivessem a menor importância e poderia construir algo novo e consistente. Um espaço de carinho e cuidado para ambos.
Descobriu, que muito embora estivesse inclinada a dar o melhor de si para o outro, ali não havia reciprocidade, ou melhor, havia fragilidade.
Estufava o peito e se vangloriava por ser pessoa viva, feita de carne, osso, suor e sangue. Espreguiçava-se para a vida como se o mundo lá fora ganhasse mais suavidade. Morosa, ia contando os dias e colecionando sorrisos.
Sorrindo, ia camuflando a tristeza de não compreender as coisas que a cercam. Ou talvez por compreender demais seja preciso um disfarce.
Exausta das incoerências da vida, ela se fecha em si, na tentativa de mais uma vez juntar os cacos. Levantar, respirar, contar as peças que tem, ignorando as que perdeu.

Ninguém é uma ilha, é verdade, mas não se pode esquecer de si mesmo tentando virar mar. 

(des)entendimentos.



Ela não entende muitas coisas: como as qualidades possam parecer às vezes tão remotas, como emagrece (mesmo comendo muito), como dorme pouco mesmo estando cansada, ou não consegue terminar um livro porque os pensamentos estão distantes. O porquê de os filmes não serem reais, a falta de tempo, a vontade de não levantar, o sorriso forçado – esforçado. Ou como sempre se refere a ela mesma na terceira pessoa.
Às vezes a aceitação é mais importante do que a interpretação. O caminhar é mais oportuno do que caminhos certos, voltar talvez não seja mais importante do que seguir em frente. E as filosofias não devam fazer mais tanto sentido assim.

Não sei mais o que é preciso, hoje paro, respiro, e espero que o dia brilhe! 

Reticências


Há um lugar onde caminho é (des)caminho.
Há um tempo em que é preciso se desfazer das velhas esperanças.
Às vezes palavras precisam buscar silêncio,
Fazer deve ser desfazer,
E há de se desaprender de tudo, inclusive.
Não há novas texturas, líquidos ou rostos.
Apagar deve ser acender, ascender!
Transgredir deve ser estancar,

Silenciar. 

Pequeno Conto da Irmã Urso



Conta a lenda que havia um Sábio, que numa manhã de Sábado pediu que a moça narrasse a vida como a imagem vista do trem para o cego que senta ao seu lado durante a viagem (ou mais ou menos assim).

Pois bem,

Até para ela a imagem é um tanto turva. Não consegue enxergar muito bem o que vê, talvez porque o trem corre com muita velocidade nos trilhos da vida. Passou rápido tudo, muito rápido. E ontem, ainda menina, tirava cochilos à tarde depois de voltar da escola. E aquela negra, de longos cabelos cacheados, que parecia a sua Ama de leite estava sempre lá. Com afagos, assegurando que a ausência da mãe não doesse tanto.
O tempo passou, a Ama se foi e a tal ausência nunca foi preenchida. A mãe nunca estivera ali de fato. Então cresceu uma pessoa deformada pela ausência dos pais. A carência lhe tomou a vida, ganhou corpo, forma e devora lentamente.

Violentamente se entrega as oportunidades de sorrir, não calcula, não mede esforços – quer agradar. Mas foi talhada por outra espécie de humanos, se é que são humanos, talvez sejam marcianos. Talvez não consiga mesmo se encaixar neste mundo voraz, imediato, oco. Não entende as regras do jogo, não sabe jogar.

Deseja ser um pouco melhor a cada dia. Senta, ora, medita, reza, vive cercada do seu misticismo. Às vezes ajuda outras não. Na maioria das vezes vive questionando o porquê das coisas – é muito questionadora, ainda não descobriu a hora de parar de perguntar.

Acorda sorrindo, manhosa, cheia do carinho que guarda para compartilhar. "Tem a cara lavada, a alma exposta." Sorri com os olhos.

No fundo o que a moça quer é que a paisagem lhe pareça menos turva e que além da neblina possa existir o sol. E que lá, existam ainda as cervejas, os amigos, as raposas e as uvas, e o abraço daquele que estava esperando enquanto tudo parecia quase apagado. 

Virginiana II


Para as palavras, silêncio
Do silêncio, ausência
Para ausência, dor.

Para a dor, prece – aparador.
Para a prece, pressa
Para esta, análise.

(Na análise refugio e por assim um tanto fuga)

E lá, verdade
E na verdade, encontro
Para o encontro, corpo

E por fim, o desenrosco sutil. 

Virginiana



Para o amor, um abrigo
Para um abrigo, um felino
Para o felino, o mel.
Para a vida, o sorriso
Para o sorriso, uma flor.
Para a flor, o beijo
Para o beijo, chuva.
Para a chuva, o calor.
Para o calor, os corpos.

E para os corpos, o despudor. 

Das loucuras da vida e os erros que nos compõem




Outro dia caminhava pelas estradas de barro que há muito não via. Tropecei no meio com uma pedra. Estava lá no meu caminho. Não quis ver a pedra, mas vi. Evitei o quanto pude o relacionamento com a pedra, mas como dessas coisas que acontecem sem avisar, sem hora, sem marcar, sem nada a pedra fez morada.
Expulso a pedra todos os dias, repulsivo sentimento por ela que tenho, é posse. Pedra danada que fica de lá e de cá e não sai.
Mentira! Não rejeito a pedra, em verdade alimento a paixão por ela. Hoje o corpo pesa, o peso da pedra bate, é o revés da calma.
Pedra, pedrinha minha – mentira!

Não é minha, nem de alguém. Talvez nem dela mesma.  
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