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Abrigo do vento
Tantas eu num só...
Tantas mulheres fortes, fracas, novas, velhas.
Histéricas, sensatas, doidas cheias de recato, loucas de desejo.
Um intenso ano.
Dores, salvação, amargura, amor.
Cores invadiram a vida formando expressões enigmáticas do que seria o hoje.
Sentada no canto da sala a menina se isola, olha seus sapatos vermelhos, aqueles que outrora escandalizavam a todos.
Às voltas com o vazio das paredes brancas de sua sala, um sentimento indescritível se apodera de seu coração, perde a fala -fica muda.
A confusão que toma posse das idéias não acalenta nem afaga, desespera.
Sentada vê a vida passar com insatisfação.
Não há respostas para os dias. O vento se recolhe em hera.
Por quantas ruas tontas rodopiaria ao encontro do mar?
A dança
É primavera...
Caixas vazias
Hobbit, que criaturas adoráveis são os Hobbits.
Um passo dado, para outro começar.
Ela que vaga por entre as idéias, sente falta.
Serão dias e dias da saudade.
Mas deixar ir é saber.
Diz que nada mudou
Mas onde está você? Nos móveis, nos lençóis, nos porta-trecos?
Mudo, calado, incólume na caixa das lembranças de outrora, sempre,
que nem sempre serão para sempre.
Um dia irá rever-te,
quando estiver pronta.
Até lá!
Enfim o fim.
Ela falava demais e dizia,
dizia não gostar de viver.
Fazia graça de tudo e
cantava para enganar a morte.
Mas ela ardilosa, um dia há de vir buscá-la.
Neste dia fechará os olhos e verá as luzes que tanto busca.
Sentirá o cheiro doce no ar, a grama verde a tocar os pés.
Tudo se tornará claro e poderá libertar-se das amarguras, enfim.
'Cause everybody cries
And everybody hurts, sometimes.
O vento
Não morreria por você. Mas o sentimento fica aqui, comigo, calado.
Às vezes passa, outras não.
Alguns dias são fáceis, outros mais dificeis, mas estamos vivos. O que entristece talvez seja a separação, ou o corte. Sim, o corte.
A arrancou dele como a um câncer, fez metros e metros de boas histórias irem com o vento.
Nada ficou.
Talvez as memórias, como carne viva. Tão vivas que sente cortar a alma, às vezes.
Mas passa, como o vento, como tudo que é alheio, que não é nosso.
E o coração cansado, da vida exausto, mas há vida. Nele, nela - ambos.
Separados.
Ele dela foge, ela deixa ir
como o vento - que passou.
Somewhere Over the Rainbow
Adeus você
É o cheiro que impregna o travesseiro.
É voltar pra casa sozinha,
São garrafas vazias cheias de lembranças.
É a saudade que ficou,
o vazio que deixou.
Das marcas ao peso
- E se eu pedisse pra ser leve, você seria?
- E se ainda numa tentativa quase nula eu te contasse uma triste história, adiantaria?
minha triste história.
(Silêncio. Não há banda)
Era um diálogo? Não, era um monólogo. Certamente era um monólogo.
E as coisas (sentimentos) iam ganhando novos espaços agora, iam para aquela caixinha onde se guardam as lembranças, as doces.
Quer chorar, mas não consegue. Respira, respeita, sente raiva de si por ser incapaz de travar a luta.
É amor. Alguém duvidaria?
O sentimento mais egoísta e generoso.
Enfim, numa noite qualquer sem querer mais ninguém a moça avista o rapaz de sotaque engraçado, pele esqualida e música latente. E ele? Será que a vê?
Talvez, mas a distancia está ali. Ela sente, mas ignora. A magica cega as pessoas.
E foi levando, dançando e correndo com o barco.
Chorando ele confessa: Te amo, mas não.
E ela?
Quer chorar mas não consegue.
Feridas estancadas, lágrimas cauterizadas.
Há certeza do amor, existe e é forte. Mas como reter o pássaro em sua gaiola?
Seria o egoísmo.
Do amor, guarda ainda a generosidade (como trava lingua).
Também te amo.
Dandelion
Ela queria viver na terra da fantasia.
Descansar.
Quem já trilhou caminhos de pedra - como ela - entenderia. Mas não quer explicar.
Deitar, dormir, sonhar.
Sonhos aos quais todos teem direito de ter como realidade. Afinal, é a vida só amargor?
Acredita que não. A vida pode ser leve, mas hoje lhe parece tão pesada.
Saberá reencontrar a saída.
18 de Maio
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O amor comeu meus remédios, minhas receitas médicas, minhas dietas. Comeu minhas aspirinas, minhas ondas-curtas, meus raios-X. Comeu meus testes mentais, meus exames de urina.O amor comeu na estante todos os meus livros de poesia. Comeu em meus livros de prosa as citações em verso. Comeu no dicionário as palavras que poderiam se juntar em versos.Faminto, o amor devorou os utensílios de meu uso: pente, navalha, escovas, tesouras de unhas, canivete. Faminto ainda, o amor devorou o uso de meus utensílios: meus banhos frios, a ópera cantada no banheiro, o aquecedor de água de fogo morto mas que parecia uma usina.O amor comeu as frutas postas sobre a mesa. Bebeu a água dos copos e das quartinhas. Comeu o pão de propósito escondido. Bebeu as lágrimas dos olhos que, ninguém o sabia, estavam cheios de água.
O amor voltou para comer os papéis onde irrefletidamente eu tornara a escrever meu nome.O amor roeu minha infância, de dedos sujos de tinta, cabelo caindo nos olhos, botinas nunca engraxadas. O amor roeu o menino esquivo, sempre nos cantos, e que riscava os livros, mordia o lápis, andava na rua chutando pedras. Roeu as conversas, junto à bomba de gasolina do largo, com os primos que tudo sabiam sobre passarinhos, sobre uma mulher, sobre marcas de automóvel.O amor comeu meu Estado e minha cidade. Drenou a água morta dos mangues, aboliu a maré. Comeu os mangues crespos e de folhas duras, comeu o verde ácido das plantas de cana cobrindo os morros regulares, cortados pelas barreiras vermelhas, pelo trenzinho preto, pelas chaminés. Comeu o cheiro de cana cortada e o cheiro de maresia. Comeu até essas coisas de que eu desesperava por não saber falar delas em verso.
O amor comeu até os dias ainda não anunciados nas folhinhas. Comeu os minutos de adiantamento de meu relógio, os anos que as linhas de minha mão asseguravam. Comeu o futuro grande atleta, o futuro grande poeta. Comeu as futuras viagens em volta da terra, as futuras estantes em volta da sala.O amor comeu minha paz e minha guerra. Meu dia e minha noite. Meu inverno e meu verão. Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte.
MM
E seu silêncio é que faz eco,
que trago e levo de lá e de cá.
E se confundir, te recorro.
Brinco de re-invento,
invento ser leve.
Teimo de ser feliz.
Você nada diz, mas diz
apressa a calma, acolhe
e quem chora, sorri.
Confundo
Onde eu estava que não vi?
Não vi as marcas que deixaria e me trariam o 'confundo'.
Confundo: expressão que nem sei existe, mas que representa essa sensação.
Sensação, que palavra é essa?
Que enlouquece, enfurece, acalma, pra enlouquecer de novo.
Dos remédios eu preciso, de você não.
Preciso de mim, da lucidez que me foi furtada
Da análise que está afastada, de todo o amor em mim guardado.
Da felicidade à loucura existe uma linha tênue.
Então, o que é ser louco ou são?
O mundo pra mim é louco, eu não.
Sangro, me sangro - de propósito.
É forte e dificil ser eu, tantos eus, tantos 'nãos', adeus.
Não sei quem serei amanhã, talvez a sombra do hoje, ou nem isso.
Talvez eu precise do drama para alcançar a sanidade.
Quatro fases
Microcontos de Páscoa

Era uma vez um Ouriço do mar, inanimado e "inanimável".
Ele vivia aprisionado em seu mundo e acreditava que o tempo passaria rápido e fugaz. Tão cheio de verdades absolutas que assustava todos os outros seres em volta. Era uma espécie de alienígena marinho, tão assustado e submerso em seus dramas que nenhuma outra razão poderia ser tomada como sua, ele tinha suas próprias.
Um dia, como que por encanto o Ouriço se viu seduzido a viver para fora daquilo que chamava de realidade. Foi convidado a abandonar seus espinhos e enxergar além de suas convicções nebulosas, conflitantes.
Ele - não podia ser diferente - se debateu, lutou, relutou. Afinal, foram anos vivendo como Ouriço. Como agora abandonar suas vestes e tomar uma nova forma, uma nova vida? Retorceu-se, rejeitou, tornou-se adversário de si mesmo num conflito interno que o fez sofrer, sozinho, em silêncio.
Mas o Ouriço não estava sozinho, ao lado dele havia o Encanto, que agora passava de sensação a personagem da história. Brigou contra o Ouriço, tentou mostrar o quanto estava errado ao viver no seu mundo de faz-de-conta e o convidou para desfrutar da sua realidade.
Ah! E quão doce soou a realidade, azulada e cintilante. E como num passe de mágica - desses que só se tomam nota nos Contos de Fadas- o Ouriço metamorfoseou-se em Pérola, abandou a carapaça e vestiu-se da delicadeza, fragilidade e amor que o encanto lhe ofereceu. Nunca antes havia experimentado tão doces sabores, nunca havia se permitido ver a luz e se tornar parte desta.
Agora, enquanto Pérola o Ouriço espera. Espera que o brilho do encanto não o deixe, não permita a volta dos espinhos, a escuridão, a inercia. Enquanto Pérola, não quer mais ter medo, não quer mais esconder-se de si e do mundo, deseja apenas viver um sonho real.