Havia uma moça que morava no
lugar mais barulhento do mundo e isso a incomodava.
Não é verdade, não era o barulho
que a incomodava, eram os risos frenéticos, o suor dos corpos, as cores e os
confetes, onde ela, ali, somente ela não enxergava tais cores, tais luzes.
Sofrera uma perda, destas que se
perde casualmente, que não se tem culpa apenas se perde. Desde ainda muito jovem nutria
sonhos, e como não poderia deixar de ser, havia neles o exagero das mulheres
desesperadas, que esperam, desejam, gritam, abraçam sem querer mais soltar.
Um dia, como sem mais nem por que
ouviu um sorriso familiar e lhe parecia o seu. Tinha um som mudo, uma
melancolia recorrente, a familiaridade do caos. Filhos do caos.
Pessoas que se formam em meio às
dores, de alguma forma tornam-se reféns de si mesmas, pois embora queiram fugir
dali, a tristeza é como algo que as retém. Fazem repudiá-la sem força para
resistir, é como estar preso estando solto, como viver à margem de si.
Pois bem, encontraram-se,
amaram-se, tornaram especial.
No fim do sonho estava o engano, a
coisa. Daquela moça, solitária em meio a multidões, que aceita as migalhas de
afeto que lhe são dispensadas, pois simplesmente não consegue enxergar o valor
da vida sem o amor.
Não tem medo de ser piegas e
querer para si dias coloridos, repletos de luzes vibrantes e barulho de
sorrisos rasgados, sinceros, limpos. Como um dia ensolarado na cidade
barulhenta. Onde o céu é absurdamente azul, as nuvens parecem sim terem sido
tecidas do mais puro algodão e o sol, ah... sol. O sol brilha tão forte que é
capaz de energizar até a mais triste e solitária das criaturas.
Onde está o pecado?
A moça pensava: “Haveria pecado
em querer ser feliz?”
Seus pensamentos a levavam para
terras de sonhos, onde avistava uma casa amarela com janelas azuis. Havia um
jardim, a grama era cintilantemente verde e as flores tinham cores campestres.
O ar era leve, o vento fresco e aroma sutil. O mais pueril dos sonhos.
Embora em meio a inúmeras
tentativas, já não consegue mais despertar, está velha, exausta. As rugas são
marcas dos desgastes da alma, não do tempo. Um dia, no fim da vida tudo isso há
de fazer sentido.
Afinal, é mais que um dar de
mãos.